Uma verdadeira imersão ao cooperativismo uruguaio e ao modelo de funcionamento do setor no país vizinho. Assim pode ser descrita a viagem de intercâmbio realizada pelos alunos do Curso Superior de Tecnologia em Gestão de Cooperativas da Escoop, entre os dias 4 e 8 de junho.
O Uruguai conta com cerca de 3.500 cooperativas e aproximadamente 1,3 milhão de associados, o que representa 37% da população do país. Com atuação em nove ramos diferentes – Habitação, Trabalho, Poupança e Crédito, Social, Agrárias, Seguro, Empresas recuperadas, Artístico e Consumo, o número de cooperativas no país triplicou nos últimos nove anos, resultado oriundo de políticas públicas consistentes e engajadas com o movimento cooperativista uruguaio.
“O Estado está mais presente nas cooperativas uruguaias. O cooperativismo está mais próximo das pessoas no Uruguai. E essa proximidade, essa relação realmente nos encanta e serve como um exemplo da força que o modelo cooperativista tem como agente propulsor do desenvolvimento econômico e social das comunidades em que as cooperativas estão inseridas”, explica o professor da Escoop, Gerônimo Grando.
Instituto Nacional do Cooperativismo do Uruguai (Inacoop)
A visita ao Instituto Nacional do Cooperativismo do Uruguai (Inacoop), entidade jurídica pública não estatal responsável por propor, assessorar e executar a política nacional de cooperativismo, deixou claro o apoio do governo uruguaio ao sistema cooperativista local. O presidente do Inacoop, Gustavo Bernini, explica que o crescimento no número de cooperativas está diretamente ligado à adoção de políticas públicas favoráveis ao desenvolvimento e à criação de novas cooperativas no país.
O cenário se evidencia nas cooperativas locais, como a Cooperativa de Consumo e Saúde Pública (Cosap), que conta com 6 mil sócios. “Não temos nenhum condicionamento em relação à nossa autonomia, temos plena liberdade em relação ao nosso movimento cooperativo”, comenta o advogado e gerente da Cosap, Renato Montes. Segundo ele, o cooperativismo tem uma história de continuidade no Uruguai, com mais de 40 anos de desenvolvimento, não se trata de um fenômeno casual.
O cooperativismo tem uma presença além do governo, isto é, existe uma concepção de unanimidade em relação à importância do sistema cooperativista nacional para o desenvolvimento local. Toda a legislação que foi aprovada a favor das cooperativas, eu me refiro a nossa legislação mãe de 2008, foi aprovada por todos os partidos políticos.
Incubadora investe em tecnologia e inovação
O incentivo ao desenvolvimento do cooperativismo no Uruguai também começa a ganhar espaço na criação de novas experiências cooperativas em campos estratégicos, visando gerar iniciativas em áreas intensivas em inovação e conhecimento. Esse é o trabalho desenvolvido pela Incubacoop, que busca projetos com mérito inovador e tecnologia. “Na Incubacoop trabalhamos por um cooperativismo que contribua para um mundo sustentável. Nossa proposta pretende tirar proveito de aprender com as experiências de incubadoras de empresas no país, bem como experiências internacionais de incubação cooperativa, para incentivar o desenvolvimento do modelo cooperativo”, explica o gerente executivo da Incubacoop, Alfredo Belo.
O dirigente uruguaio ressalta que entre junho de 2016 e março de 2017 a Incubacoop recebeu 52 projetos, dos quais 15 foram selecionados. Para avançar na promoção e desenvolvimento de novos projetos e empreendimentos em áreas pré-selecionadas a partir de uma visão proativa de cooperativismo, instituições parceiras desenvolveram um projeto de mapeamento para identificar setores estratégicos de atividade ou representar uma oportunidade para a realização de novas experiências. Esta preocupação presente durante algum tempo no movimento cooperativo ecoou junto às autoridades do Ministério da Indústria, Energia e Mineração (Miem) e do Inacoop e, em parceria com a Confederação Uruguaia de Entidades Cooperativas (Cudecoop), iniciou-se a concepção e implementação dessas iniciativas de mapeamento e incubação.
A visão da Incubacoop, que propõe assistência e consultoria em diversos aspectos para cooperativas que estão nascendo e lá estão incubadas, gera segurança aos idealizadores de cooperativas e promove o cooperativismo de forma direta com seus cases de sucesso, ressalta o graduando da Escoop, Gabriel Carnevale de Oliveira.
Câmara Uruguai de Cooperativas de Poupança e Crédito de Capitalização
Entre as entidades visitadas, a Câmara Uruguai de Cooperativas de Poupança e Crédito de Capitalização (Cucacc) demonstra o crescimento do setor no país, que ainda representa um percentual pequeno, com 57 cooperativas e mais as sucursais distribuídas em todo território nacional. Ao todo, as cooperativas do ramo realizam 400 mil operações de crédito anualmente no país e representam 10% do crédito de família do mercado uruguaio, contabilizando 500 mil sócios. Para o advogado da entidade, Alfredo Lamenza, a Câmara não atua com a finalidade de ampliar o número de cooperativas do ramo no Uruguai, mas sim de fortalecer e ajudar as associadas. “Nosso foco de atuação consiste no auxílio às cooperativas já constituídas, em questões específicas e na esfera da representação política”, explica Lamenza.
Aluno da Escoop e empregado do Sicoob, Diórgenes Lauenschlaeger da Silva, afirma que a troca de experiências com o cooperativismo de crédito uruguaio foi muito importante para a sua formação acadêmica e o seu desenvolvimento profissional. “Foi muito interessante e o sentimento que fica é de gratidão por tudo que vivenciamos nessa viagem de intercâmbio e por todo conhecimento que adquirimos”, complementa.
Empresa renasce com criação de cooperativa
O intercâmbio no Uruguai levou o grupo de estudos a conhecer a realidade da Funsacoop, uma cooperativa de Trabalho oriunda de uma massa falida, a Funsa Titan. A Cooperativa trabalha com a produção de pneus para carros, camionetas, caminhões, ônibus e tratores.
Em 2002, com a crise econômica, a mais grave da história do Uruguai, os investidores da Titan decidiram ir embora do Uruguai para os Eua e deixaram a empresa sem condução. Com isso, o Sindicato se acampou na frente da empresa para assegurar que não levassem as máquinas e equipamentos, pois a empresa devia salários e férias aos funcionários, dinheiro que era mais do que importante para os funcionários, era vital, lembra o presidente da Funsacoop, Enrique Romero.
Romero explica que a solução para resolver o problema do desemprego e do desemparo dos funcionários foi formar uma cooperativa, uma ideia que vinha rondando a cabeça de todos durante o período em que se colocaram como vigilantes em frente à empresa para que não fossem levadas as máquinas. “Percebemos que a crise se acentuava, era cada vez mais forte. E nesses quase dois anos que estivemos ali fomos dando forma à ideia de tomar a empresa, nos organizando não mais como sindicato, mas sim como uma cooperativa”, afirma.
Criada em 5 de novembro de 2003, a Funsacoop conta atualmente com 120 associados e exporta 80% de sua produção. “O nosso principal mercado de exportação e a nossa principal fonte de ingresso de dinheiro é a Venezuela. Exportamos 80% da produção e 20% comercializamos no mercado interno. Dentro desses 80% das vendas para mercados do exterior, 75% é para a Venezuela, 20% para o Paraguai e 5% para o Brasil”, destaca.
O relato da história de superação e trabalho para a formação da Cooperativa é enaltecido pelo professor Gerônimo Grando. “Ficamos muito encantados sobre essa cooperativa, sobre essa ideia, esse ideal de levar o cooperativismo adiante antes do econômico, antes do financeiro. É muito mais o social, foi o lado social que pesou para que essa cooperativa existisse. E essa cooperativa existe porque há pessoas determinadas e que estão à frente de um negócio envolvido pelo lado econômico e social, essa é a dualidade das nossas cooperativas”, ressalta.
Cooperativas de Habitação predominam e dão certo no Uruguai
No dia 7 de junho, o grupo de estudos esteve na Federação Uruguaia de Cooperativas de Habitação (FUCVAM), maior complexo habitacional da América do Sul, composta por sete cooperativas, que contam com 839 habitações. O ramo é um case de sucesso no país, responsável por mais da metade das 3.500 cooperativas existentes no território uruguaio.
No último dia de visitas, a comitiva brasileira composta por 23 integrantes visitou o Complexo Industrial de Montevidéu da Conaprole, cooperativa com 1.900 sócios que detém 75% da produção leiteira do país.
O intercâmbio possibilitou ao grupo de estudos conhecer a realidade do cooperativismo uruguaio, que gera 48 mil empregos diretos e representa quase 3% do PIB nacional. E também demonstrou a relação do sistema cooperativista com o governo local e o quanto as políticas públicas podem impulsionar o setor e ajudar no desenvolvimento econômico e social do país. “O caminho é a recompensa. Isso tem a ver como se raciocina a relação das pessoas do movimento cooperativo com o governo, tem uma horizontalidade. O nosso processo histórico foi de criar uma sociedade horizontal, onde ninguém é mais que ninguém”, enfatiza o gerente da Cosap, Renato Montes.
Para Jorge Luiz Fernandes de Azevedo, graduando da Escoop, a viagem permitiu agregar muito conteúdo e informação, e também propiciou uma reflexão acerca da importância do cooperativismo como solução para o desenvolvimento de uma sociedade. “A cooperação se mostra verdadeiramente uma solução para a igualdade de condições para um país continental como o nosso. Fica a certeza que foi uma experiência de crescimento profissional que agregou muito para o nosso curso de Gestão de Cooperativas na Escoop”, finaliza.